Luísa Bissoni de Souza
O
Abaporu e o ovo
Karl Marx, para exemplificar sua
doutrina do socialismo científico, utiliza-se de uma analogia bem simples. O
sistema político vigente, o capitalismo por exemplo, seria a casca de um ovo.
Dentro desse ovo há um pintinho, crescendo e crescendo até quebrar a casca.
Este seria a insatisfação da população, a famosa luta de classes que um dia
(quem sabe?) será grande o suficiente para quebrar o ovo. Atualmente, no
Brasil, vivemos um momento histórico em que o pintinho do descontentamento e da
mobilização está começando a crescer.
Estamos vivenciando os saldos
desse crescimento. As monumentais manifestações que tomaram as ruas do país nos
últimos meses e deixaram os espectadores estatelados certamente não foram em
vão. Em um misto de terror e surpresa, os poderosos viam, através de seus olhos
arregalados, a justiça ser cobrada por uma entidade distante de Brasília, que
nunca havia representado uma ameaça: o povo. Certamente, somos mais fortes.
Toda essa movimentação não foi (e nem deveria ser) ignorada. As medidas vieram
em seguida: diminuição das tarifas do transporte público, destinação dos
royalties do petróleo para educação, corrupção como crime hediondo, um
pronunciamento direto da presidenta.
Entretanto, apesar do repentino
despertar do gigante, as conseqüências futuras ainda são difíceis de prever.
Conquistamos alguns objetivos, é verdade, mas são apenas migalhas comparadas à
situação geral, tanto social como política. Ainda não somos um povo politizado,
tampouco foi o nosso movimento, que tropegava entre objetivos pouco definidos e
entre partidos políticos e o apartidarismo. A grande dúvida agora é se os
Abaporus, com suas mãos grandes e cabeças pequenas, levarão a consciência das
ruas às urnas.
Desse modo, a corrupção, os
desmandos políticos, os abusos tributários e muitos outros problemas não serão
sanados tão facilmente. Não existem, para tais, soluções a curto prazo. Somos
desacreditados de mudanças constantemente pelos nossos governantes, como o
julgamento do mensalão, infinitamente adiado. No entanto, já demos o primeiro
passo. Não estamos mais tão críticos como no passado, pois as coisas já
começaram a mudar. Devemos, portanto, continuar a luta, sem tréguas, e não nos
acomodarmos, contentados com migalhas. Os Abaporus, talvez, consigam quebrar o
ovo.
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