Luísa
Sarti
Geração
tarja preta
João deu os primeiros passos com
apenas nove meses, falava desde o primeiro ano de vida e antes mesmo de saber
escrever já tinha que se sentar durante horas em uma sala em que precisava de
permissão até mesmo para ir ao banheiro. Não conseguia. Falava o tempo todo. A
carteira era mera desconhecida. Queria pintar, correr, falar. Pronto,
diagnosticado, hiperativo, seu amigo bipolar e a menina da carteira ao lado
autista. Assim como a ritalina tornava-se sua melhor amiga, sua mãe era
identificada como depressiva e o pai usufruía de comprimidos para uma boa noite
de sono.
A crescente padronização da vida
por meio de criação de regras cada vez mais rígidas e da busca pela ordem diagnostica
tudo e todos que não se encaixam nesse quebra-cabeça. O atestado de loucura vem
acompanhado de inúmeros medicamentos prescritos pelos ditadores da normalidade
que condenam quaisquer manifestações da “surreal” espontaneidade. Dessa forma,
encara-se uma gama de profissionais da saúde, influenciados por uma sociedade
alienadora, taxando atitudes como anormais na tentativa de alcançar um padrão
de obediência e racionalidade.
A irregularidade da poesia
Romântica torna-se rapidamente digna do Parnasianismo com a simples anestesia e
sedação dos sentimentos. Ao receitar medicamentos que inibem a manifestação da
emoção e da criatividade, inicia-se um processo de robotização da sociedade
que, ao se tornar majoritariamente racional, extingue contestadores e pensadores,
Dessa forma, quem serão os grandes pintores, cientistas, poetas dessa geração
que sobre com a patologização da vida? Apenas os poucos sobreviventes dos
constantes esforços da sociedade de apresentá-los aos comprimidos jurando que
esses, sim, serão amigos fiéis.
Pena. Mal sabiam eles que João
era um gênio, seu amigo um revolucionário e a menina da carteira ao lado uma
grande artista. E nunca ficaram sabendo, porque os ditadores da normalidade
racionalizaram-nos. Com isso, o ser humano capaz de criar, mudar e fazer
história foi reduzida a um mero robô, pronto para seguir normas. Beethoven
acreditava que “ainda não se levantaram as barreiras que digam ao gênio: daqui
não passarás!” Infelizmente, a geração tarja preta se apresenta para
contradizê-la.
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