segunda-feira, 7 de abril de 2014

Melhores Redações 2013 - Luisa Sarti

Luísa Sarti

Geração tarja preta

João deu os primeiros passos com apenas nove meses, falava desde o primeiro ano de vida e antes mesmo de saber escrever já tinha que se sentar durante horas em uma sala em que precisava de permissão até mesmo para ir ao banheiro. Não conseguia. Falava o tempo todo. A carteira era mera desconhecida. Queria pintar, correr, falar. Pronto, diagnosticado, hiperativo, seu amigo bipolar e a menina da carteira ao lado autista. Assim como a ritalina tornava-se sua melhor amiga, sua mãe era identificada como depressiva e o pai usufruía de comprimidos para uma boa noite de sono.
A crescente padronização da vida por meio de criação de regras cada vez mais rígidas e da busca pela ordem diagnostica tudo e todos que não se encaixam nesse quebra-cabeça. O atestado de loucura vem acompanhado de inúmeros medicamentos prescritos pelos ditadores da normalidade que condenam quaisquer manifestações da “surreal” espontaneidade. Dessa forma, encara-se uma gama de profissionais da saúde, influenciados por uma sociedade alienadora, taxando atitudes como anormais na tentativa de alcançar um padrão de obediência e racionalidade.
A irregularidade da poesia Romântica torna-se rapidamente digna do Parnasianismo com a simples anestesia e sedação dos sentimentos. Ao receitar medicamentos que inibem a manifestação da emoção e da criatividade, inicia-se um processo de robotização da sociedade que, ao se tornar majoritariamente racional, extingue contestadores e pensadores, Dessa forma, quem serão os grandes pintores, cientistas, poetas dessa geração que sobre com a patologização da vida? Apenas os poucos sobreviventes dos constantes esforços da sociedade de apresentá-los aos comprimidos jurando que esses, sim, serão amigos fiéis.

Pena. Mal sabiam eles que João era um gênio, seu amigo um revolucionário e a menina da carteira ao lado uma grande artista. E nunca ficaram sabendo, porque os ditadores da normalidade racionalizaram-nos. Com isso, o ser humano capaz de criar, mudar e fazer história foi reduzida a um mero robô, pronto para seguir normas. Beethoven acreditava que “ainda não se levantaram as barreiras que digam ao gênio: daqui não passarás!” Infelizmente, a geração tarja preta se apresenta para contradizê-la. 

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